segunda-feira, 14 de setembro de 2009

ainda ali fiquei algum tempo.

Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.

Nuno Júdice,  "A Partilha dos Mitos"

3 comentários:

  1. Ontem li no jornal que a Drª Maria Barroso considera a poesia o cristal da literatura. Ao ler este poema nada faz sentido.
    Boa semana, Paulo. (Estou a gostar muito de me refrescar aqui).
    beijinho.

    ResponderEliminar
  2. desculpa "nada faz mais sentido".

    ResponderEliminar
  3. A propósito de um regresso:

    Origem do Império Português e do provincianismo português

    Com estas esposas, mães, primas, irmãs,
    Compreende-se.
    Mal se viam chegando à puberdade,
    Estes homens tinham de fugir
    E seriam sedentos de quantas outras
    Mulheres lhes dessem.

    Os que ficavam, ou os que levavam consigo
    As da família, que tinham,
    Eram forçados pela tradição biológica
    A viver no esófago das fêmeas,
    Como o macho da bonelia viridis.

    Que, em Portugal, até as putas são senhoras
    Que não fazem porcarias,
    E só ao sábado fodem e em decúbito dorsal.

    in "Dedicácias"

    Jorge de Sena

    ResponderEliminar

Who's linking to you?

Web Pages referring to this page
Link to this page and get a link back!